Treinamento de Parkour para Cia Nova Dança 4

Parkour é conhecido como a arte do deslocamento. O conceito base dessa prática é deslocar-se pelo ambiente da forma mais eficiente possível com velocidade e estética usando apenas o próprio corpo. No caso do trabalho feito com a Cia Nova Dança 4, o Parkour é integrado no repertório de movimentos dos intérpretes e acaba por ser descaracterizado de seu conceito base. Não é utilizado para deslocar-se e sim como movimentação complementar a dança dos intérpretes.
Os movimentos estudados na prática do Parkour para transpor obstáculos naturais ou urbanos, para escaladas rápidas, equilíbrio, saltos, pulos, precisões, são ensinados com o intuito de misturar-se a movimentos de dança, e a representar situações corporais cênicas. A movimentação é ensinada exatamente como no Parkour, porém sem a utilização que caracteriza a prática. Na dança, não existe uma função de deslocamento e a idéia de eficiência também é outra.
No treinamento da companhia são utilizados colchões de diferentes tamanhos, plintos, barras de ferro originalmente fabricadas para o Ballet, estruturas de madeira e forramento de EVA. O uso desses materiais em si já descaracteriza o Parkour, que foi desenvolvido para interagir com um ambiente sem proteção, um ambiente não preparado para a prática, pois dentro de seus conceitos o Parkour também carrega a premissa de que o “Traceur”(praticante) se adapta ao ambiente, e não o contrário.
Parkour busca retomar a necessidade do corpo humano de lidar com a imprevisibilidade de seu entorno, o que hoje em dia perdemos, por termos criado um ambiente tão controlado, tão adaptado ao homem. Com calçadas, pavimentos, estruturas retilíneas, perdemos a imprevisibilidade do terreno, e assim o corpo não necessita adaptar-se para deslocar-se. Porém ao perder essa possibilidade os corpos contemporâneos não atingem seus potenciais, ficam presos a uma movimentação que raramente chega a mudar de plano. Com cadeiras, mesas e camas, o ser humano não precisa mais chegar ao chão, atingir o plano baixo, e isso trás conseqüências.
Na educação somática presente em todas as técnicas de dança estudadas pela Cia Nova Dança 4 a consciência do corpo substitui a falta de imprevisibilidade do ambiente, usa-se a propriocepção para alinhar o corpo, fortalecê-lo, e transitá-lo por diferentes planos. No Parkour, não é a autoconsciência que faz isso, é a necessidade de transposição de obstáculos, é re-significar nosso entorno, olhando para nosso ambiente com olhos de quem procura ser desafiado por ele, e não usá-lo como de costume. Quando se encara o ambiente dessa forma ele volta a ser imprevisível, ele novamente nos oferece a possibilidade de atingirmos nosso potencial morfológico.
Dessa forma, o Parkour e as diferentes técnicas de movimento e dança estudadas pela Cia Nova Dança 4, acabam por recuperar os potenciais morfológicos do corpo humano. Como a companhia estuda a movimentação do Parkour em ambiente controlado, o que retira grande parte do risco e da imprevisibilidade, novamente utiliza-se da educação somática para praticá-lo.
Vale lembrar que esse estudo é também por curiosidade estética e não só morfológica. A companhia se interessou, no início da Trilogia Influência, pela prática, para possibilitar saltos e quedas que caracterizaram o primeiro espetáculo “Influência – primeiros estudos”, e após essa montagem o interesse continuou vivo para os dois outros trabalhos da trilogia. No espetáculo “O Beijo” a presença do Parkour é sutil, deixa apenas rastros nos movimentos, mas no último trabalho da trilogia, “Tráfego” o parkour volta a ficar em evidência com a utilização de três barras de Ballet feitas de canos de ferro, onde diversos movimentos característicos aparecem.

"Opções"

Dançar é, também, movimentar-se em controle de sua autocrítica e percebendo as imagens e/ou sensações criadas.

As estratégias para abordar a própria autocrítica e as estratégias para gerar imagens e sensações  são inúmeras, infinitas. Porém há um único caminho para gerar estratégias novas, diferentes das utilizadas cotidianamente por cada pessoa. Um único caminho que permite você optar. Esse caminho é o da consciência.

A consciência de nossos atos é o que nos difere dos outros animais, ela nos possibilita complexificar pensamentos, sensações e ações. Animais não complexificam; são diretos, possuem pensamentos, sensações e ações guiados de forma direta pelo instinto de sobrevivência. Não digo que o humano não é guiado pelos mesmos instintos, acredito que somos, mas através da soma da memória e da consciência de nossos atos, somos capazes de transformar ações instintivas, de direcionar os impulsos naturais para produzir inutilidades incríveis.

Será que a produção humana é algo mais do que a complexificação do seu instinto de sobrevivência? Quando escrevemos um livro, construímos um prédio, uma cidade, criamos arte, guerra, tecnologias, linguagens, religiões, filosofias, ciências, não estamos apenas com medo da morte, tentando nos preservar no planeta por realizações? Não seriam todas essas atividades meios artificiais de imortalidade? No meu entendimento, a reprodução sexuada ainda é o único meio real de imortalidade da espécie. Especula-se muito sobre a conquista do ser humano sobre seu próprio destino, sua capacidade de imortalizar-se artificialmente. Não sei o quanto isso me interessa, mas essa busca de complexificação dos instintos naturais em algo belo e inútil me interessa. Isso que chamamos de arte. Pode-se argumentar que a arte não é inútil, que sua beleza e sua parte no que chamamos de cultura seja fundamental. Porém estou relativisando meu ponto de vista, estou falando da arte e sua inutilidade hoje, tão distanciada do instinto de sobrevivência, tão longe dos impulsos que a tornaram necessária na evolução da nossa espécie.

A arte feita hoje é importantíssima para a sobrevivência da nossa cultura, apesar de aparentemente não significar muito para a sobrevivência da espécie. A arte parece estar muito relacionada a capacidade do ser humano expor algo de seu interno a outras pessoas. Não devemos julgar as qualidades dos internos dos diferentes artistas, e por isso mesmo, não devemos julgar suas produções artísticas como certas ou erradas, não há certo e errado na arte. Julgaremos sim conforme nossos gostos, e isso é anterior ao que devemos ou não fazer, é algo que não se pode domar completamente. Podemos refinar nosso gosto, aprimorá-lo, exercitar o alongamento de nossas percepções e até tomar gosto, ou aprender a gostar de algo, mas tudo isso dentro de uma soma tão grande de variáveis e complexificações, que torna-se impossível creditar tal mudança a um simples “devemos gostar disto”. Quanto a certo e errado, obviamente não há controle sobre isso, mas digamos que seria mais elegante do ser humano não julgar algo do interno de outro nesses parâmetros mesquinhos. Porém, a questão que quero colocar, não está relacionada ao julgamento do outro e sim ao próprio julgamento.

Nosso autocrítico, nosso juiz, júri, advogado e tribunal interno, pode ser terrível, pode ser cruel e mesquinho, usar constantemente os termos “certo” e “errado” ou pior. Com o desenvolvimento da nossa consciência surgiu também nossa crítica. E somos animais extremamente críticos. E duramente críticos com nós mesmos. É nesse ponto que estratégias de auto-observação entram, para primeiro perceber, depois conhecer, e por fim trabalhar nosso autocrítico.

As estratégias são infinitas, pois podem ser desenvolvidas por qualquer pessoa, e na realidade sempre são. Quando oferecemos uma estratégia de auto-observação a alguém, por mais que se tente preservá-la, ela será alterada quando interiorizada por esta pessoa. Isso não significa que seja mais fácil criar as suas próprias estratégias de uma vez. Eu acredito, graças a anos de observação, que estratégias de outras pessoas ajudam mais na luta contra o autocrítico do que estratégias próprias. E isso acontece porque nosso autocrítico tem sistemas de defesa para se esconder de nossa autoconsciência, e por isso estratégias próprias tendem a nascer cegas ao alvo. Como exemplo, digamos que a estratégia sugerida seja andar normalmente com vinte pessoas assistindo. É muito provável que todos, que passem por essa experiência, reconheçam facilmente uma parte de sua consciência criticando seu andar.

Suponha-se que, percebido o autocrítico, a primeira fase, do reconhecimento, tenha acontecido. Geralmente precisamos de alguma exteriorização, no caso das artes cênicas podemos usar uma estratégia simples, como uma usada por diversos técnicos da educação somática cênica: levantar a mão toda vez que nos criticarmos em cena. Esse exercício, mostra com clareza o quanto existe de autocrítica em cada intérprete. Reconheceu-se que existe um autocrítico, e quanto ele fala, dois importantes passos de autoconsciência. Para conhecê-lo melhor, outras estratégias e exercícios devem acontecer, que permitam entender como ele sabota as ações, imagens e percepções do intérprete. Apesar de ter colocado dois exemplos guias para reconhecimento e quantificação do autocrítico, tenho dificuldade de exemplificar exercícios para “conhecimento” do autocrítico, pois eles exigem entendimento prático, e adaptabilidade total. Basta dizer, que existem inúmeros exercícios e eles funcionarão conforme cada pessoa, e são de alguma forma terapêuticos (apesar de não ter intenção). Exercícios para isso são encontrados na maioria dos trabalhos e pesquisas cênicas, mesmo que não se tenha consciência da real função (existem muitos professores e diretores das artes cênicas que criam exercícios maravilhosos intuitivamente, ajudando o intérprete a conhecer seu autocrítico, porém sem que nenhum dos dois saiba racionalmente o que estão trabalhando).

Chegando a última fase da autoconsciência do autocrítico, quando começamos a trabalhar nosso autocrítico, percebemos o quanto é importante exercitar e pesquisar eternamente as primeiras duas fases. E só se relembrando sempre de sua existência, e reconhecendo suas mudanças, que podemos exercitar o autocrítico, deixá-lo como um observador saudável de nossa arte e não um juiz/carrasco cruel. Também me abstenho de exemplificar exercícios extremamente práticos aqui, que podem trabalhar a autoconsciência sinestésica, ou cinestésica, ou racional, ou emocional, enfim, trabalhar a autoconsciência por diferentes ângulos, pelos mesmos motivos já ditos: eles exigem entendimento prático e adaptabilidade total (com isso digo que o aluno deve aprender na prática e o professor deve ser aberto a deixar seu exercício se transformar conforme a necessidade), o que deixaria na exemplificação e transcrição de algum desses exercícios, uma sensação de empobrecimento.

O resultado de exercitar a consciência do autocrítico é apenas um, que são vários. Ao trabalhar com autoconsciência, abrimos a possibilidade de complexificar nossas respostas, de mudar de estratégia, de optar por um caminho, mesmo que seja aquele direto e instintivo, mas agora este é tomado pelo caminho libertador da opção. Construímos através da consciência a maior habilidade de sobrevivência humana, a opção. E para usufruirmos dela com liberdade e prazer precisamos trabalhar a consciência de seu maior inimigo, o autocrítico.

"Options"
 by Diogo Granato

Dancing is also moving in control of your self-criticism, noticing the images
and/or sensations created.

The strategies to address your own self-criticism and the strategies to
generate images and sensations are countless and endless. But there is only
one way to generate new strategies, different from those used every day
by each person. A single path that allows you to choose. This is the path of
awareness.

Awareness of our actions is what sets us apart from other animals; it enables
us to complexify thoughts, sensations and actions. Animals do not complexify;
they are direct, they have thoughts, sensations and actions guided directly by
their survival instinct. This is not to say that the human being is not guided by
the same instinct – I believe we are –, but by adding memory and awareness
of our actions we are able to transform instinctive actions, to direct the natural
impulses to produce incredible uselessness.

Is human production anything other than the complexification of their
survival instinct? When we write a book, build a building, a city, create art,
war, technology, languages, religions, philosophies, sciences, aren’t we
just afraid of death, trying to preserve ourselves on the planet through our
achievements? Aren’t all of these activities artificial means for immortality?
My understanding is that sexed reproduction is still the only real means for
species immortality. Much is speculated on human beings’ conquest over their
own destiny, their ability to immortalize themselves artificially. I do not know
the extent to which this interests me, but this search for complexifying natural
instincts into something beautiful and useless interests me. This which we
call art. It may be argued that art is not useless, that its beauty and its part
in what we call culture is crucial. But I am relativizing my point of view, I am
talking about art and its uselessness today, so far removed from the survival
instinct, so far from the impulses that made it necessary in the evolution of our
species.

The art made today is crucial to the survival of our culture, although
apparently it does not mean much to the survival of the species. Art seems to
be closely related to the human capacity to expose something of one’s inner
self to other people. We must not judge the qualities of the inner selves of
different artists, and therefore, we should not judge their artistic productions
as right or wrong; there is no right and wrong in art. We judge according to
our tastes, and this is prior to what we should or should not do, it is something
that cannot be completely tamed. We can refine our taste, improve it, exercise
the stretching of our perceptions and even grow to like or learn to like
something, but all within such a large sum of variables and complexifications
that it is impossible to credit such change to a simple affirmation – “we

must like it.” As for right and wrong, there is obviously no control over this,
but let us say that it would be more elegant for a human being not to judge
something of another’s inner self in such petty parameters. But the question
that I want to raise is not related to the other’s judgment but to one’s own
judgment.

Our self-critic, our judge, jury, lawyer and inner courtroom can be terrible,
can be cruel and mean, and constantly use the terms “right” and “wrong” or
worse. With the development of our awareness our criticism also arose. And
we are extremely critical animals. And harshly critical of ourselves. This is
where strategies of self-observation come into play, first to notice, then to
meet, and eventually to work on our self-critic.

The strategies are endless, as they can be developed by anyone, and indeed
are always so. When we offer a strategy of self-observation to someone,
however much they try to preserve it, it will always be changed when
internalized by this person. This does not mean that it is easier to create one’s
own strategies instead. I believe, thanks to years of observation, that other
people’s strategies help more in the fight against the self-critic than one’s own
strategies. This is because our self-critic has defense systems to hide from
our self-awareness, and therefore one’s own strategies tend to be born blind
for the target. As an example, let us suppose that the suggested strategy is to
walk normally with twenty people watching. It is very likely that everyone who
goes through this experience will easily recognize a part of their awareness
criticizing their walk.

Suppose that, once the self-critic is perceived, the first stage, the recognition,
has taken place. Generally we need some exteriorization – in the case of the
performing arts we can use a simple strategy, which is used by a number of
scenic somatic education technicians: raising our hand every time we criticize
ourselves on stage. This exercise clearly shows how much there is of self-
criticism in each performer. It has been recognized that there is a self-critic,
and how much he speaks – two important steps for self-awareness. To get
to know him better, other exercises and strategies should take place, which
will allow one to understand how he sabotages the actions, images and
perceptions of the performer. Despite having placed two guiding examples for
recognition and quantification of the self-critic, it is difficult to offer examples
to get to know the self-critic, because they require practical understanding
and total adaptability. Suffice it to say that there are numerous exercises and
they will work according to each person, and they are somewhat therapeutic
(though not intently so). Exercises that can be found in most scenic studies
and research, even if their real function is not clear (there are many teachers
and directors of performing arts that create wonderful exercises intuitively,
helping the performer to meet their self-critic, but without any of them
rationally knowing what they are working on).

Arriving at the last stage of the self-awareness of the self-critic, when we start
working on our self-critic, we realize how important it is to forever exercise
and research the first two stages. Only by remembering his existence and
recognizing his changes can we exercise the self-critic, turning him into a

healthy observer of our art and not a cruel judge/executioner. I also refrain
from illustrating extremely practical exercises here, which can work on
synesthetic, kinesthetic, rational or emotional self-awareness, that is, which
can work on self-awareness through different angles, for the same reasons
that have been already mentioned: they require practical understanding
and total adaptability (by this I mean that the student must learn in practice
and the teacher should be open to let exercise transform itself whenever
necessary), which would lead to a feeling of impoverishment in the attempt to
illustrate and transcribe some of these exercises.

The result of exercising the self-critic awareness is only one, which are
several. When working with self-awareness, we open up the possibility of
complexifying our responses, of changing strategies, of choosing a path, even
if it is the direct and instinctive one, but now it is taken over by the liberating
path of choice. We build through awareness the greater ability of human
survival – choice. And in order to enjoy it with freedom and pleasure we need
to work on the awareness of its greatest enemy – the self-critic.

Crítica a uma afirmação.

“Mesmo sabendo, não é sempre que lembramos que o ponto de onde se avista o espetáculo faz toda a diferença no que dele se percebe.” Helena Katz.

Estranho como a crítica de dança Helena Katz não consegue aplicar ao seu olhar a relatividade do observador sugerida por si mesma nesta frase. Mais de uma vez observei, em seus textos, uma afirmação que demonstra essa falha na aplicação da relatividade.

Apesar de uma crítica positiva ao espetáculo “Lugar do Outro”, espetáculo de meu amigo e companheiro de anos de trabalho Alex Ratton com seu grupo Damas em Trânsito e os Bucaneiros, Helena afirma que os representantes de uma “…geração que descobriu, nos anos 1990, a improvisação como possibilidade de dramaturgia para a dança”, possui “…deficiência estrutural (…), que é a falta de entendimento sobre o que seria o rigor artístico necessário para a sua produção.”* . Porém acredito que essa afirmação só pode ser feita por alguém incapaz de lembrar que o ponto de onde se avista um espetáculo faz toda a diferença. Ou ainda, o ponto de onde se avista o entendimento sobre o que seria o rigor artístico necessário para sua produção faz toda a diferença.

Mas é em Helena Katz que falta tal entendimento. O rigor artístico desse segmento está em conseguir dançar através da sensação de um osso, está em se relacionar com o chão de forma macia, em expor pensamentos e sensações pela abstração de um repertório pessoal e único, que é valorizado por não atingir o mesmo desempenho em diferentes corpos, é valorizar o indivíduo a ponto de perceber erros como acertos, defeitos como qualidades e vice versa, é entender e pesquisar inúmeras técnicas de comunicação e sutilezas cênicas, tornar-se um técnico em leitura de idéias, dúvidas e movimentos de seus parceiros e estar absolutamente treinado a responder a tudo isso prontamente. Acredito que ela não saiba mensurar o entendimento desses rigores técnicos e artísticos. Na realidade não representamos a improvisação como dramaturgia, mas somos através dela representados, somos pesquisadores de pesquisas, cênicas e corporais profundas e não temos nenhuma falta de entendimento sobre o que seria o rigor artístico necessário para nossas produções. Não digo que chegamos ao rigor necessário, acredito que como diriam Deleuze e Guatarri sobre o “Corpo sem Órgãos”: “A ele não se chega, não se pode chegar, nunca se acaba de chegar a ele”. Mas temos o entendimento.

Falta entendimento da relatividade do olhar em Helena. Para um Contatista, ou bailarino de Contato Improvisação, pode parecer que Bailarinos Clássicos tem um trabalho de chão truncado, um toque sem escuta ao parceiro, percepções sinestésicas destreinadas entre outras coisas, e na mesma moeda bailarinos clássicos podem enxergar Contatistas com movimentos sem linhas, sem alongamento, sem firmeza, clareza…enxergam as faltas técnicas. Mas será que pra um Contatista não ter linhas bem definidas em seu corpo é uma falta de entendimento? Ou para um bailarino Clássico não saber pelo toque onde está a coluna do parceiro é uma falta?

Acredito a deficiência estrutural nesse segmento está nos olhos esquecidos do ponto que avista de Helena Katz. Pois não é só uma questão dela não entender quais são os rigores artísticos deste segmento, ela não é capaz de identificá-los. É preciso um Contatista para saber a diferença entre duas pessoas dançando e rolando juntas no chão e duas pessoas dançando Contato Improvisação, assim como não sei identificar uma ponta de pé de Ballet bem feita. A “Improvisação Dança Teatro”, técnica brasileira criada por Cristiane Paoli Quito e Tica Lemos, é mais complexa que o Contato Improvisação, e apropriado dela, o intérprete-criador-pesquisador pode misturar quaisquer outras técnicas, cênicas e/ou corporais e criar seu próprio repertório artístico e corporal. Acredito que essa técnica seja o carro chefe desse tal “segmento”. Para conhecer a deficiência estrutural desse segmento Helena precisaria conhecer essa estrutura a fundo, e a afirmação dela prova o contrário. Não digo que ela não pode ser sensível a perceber algum problema em um espetáculo, e ela é sensível, como qualquer outra pessoa a entender os trabalhos dessa geração de diferentes formas, ora gostando ou não. Mas identificar a deficiência de uma geração inteira de artistas improvisadores, e ainda por cima identificar a deficiência como sendo a falta do entendimento do qual seria o rigor artístico necessário para suas produções, é dizer que ela, Helena Katz, é quem tem esse tal entendimento.

Como um artista dessa geração, eu afirmo: Helena Katz não sabe qual é nossa deficiência, e também não sabe o que consideramos como rigor artístico necessário ou mesmo do entendimento do mesmo, para nossas produções.

E essa afirmação faço como artista desse segmento, mas não como representante, represento somente a mim.

*a pequena edição que fiz no texto, que aparece aqui entre aspas, tira a relação do espetáculo criticado, mas mantém o sentido da afirmação relativa a tal “segmento” ou “geração”.

Diogo Granato

A Crítica:

Corpos que tiranizam os olhares
Lugar do Outro propõe reflexão a 32 espectadores tirados do anonimato da plateia
23 de agosto de 2011

Helena Katz – O Estado de S.Paulo

Mesmo sabendo, não é sempre que nos lembramos que o ponto de onde se avista o espetáculo faz toda a diferença no que dele se percebe. Assistir Lugar do Outro é viver no corpo essa experiência de forma muito clara.

Acomodada em oito plataformas móveis, cada qual com quatro assentos, a plateia vai sendo deslocada pelo espaço vazio do quarto subsolo do Sesc Pinheiros, onde a Cia. Damas em Trânsito e os Bucaneiros apresenta, até 14 de setembro, seu novo espetáculo, às terças e quartas, às 21 horas.

Trata-se de uma experiência oferecida a somente 32 espectadores por noite. Nela, a reflexão sobre o lugar que o outro ocupa se instaura já no momento em que, ao sentar-se, você deixa de ser plateia anônima, e torna-se parte de um grupo. A você e seus companheiros de plataforma serão ofertadas as mesmas oportunidades e as mesmas perdas na observação do que vai se passar. Somos “depositados” por um tempo em um lugar, e depois empurrados para lá e para cá, em um roteiro que vai armando e desmanchando formas distintas de espacialidades, mas sem mexer na relação palco-plateia, que permanece lá, mesmo não existindo um palco formal. A plateia passa a fazer parte, mas somente como parede móvel a delimitar as formas que o espaço vai tomando.

Ao contrato de observador de fora que a plateia geralmente estabelece nos teatros, aqui soma-se um outro traço, o da passividade: nós sentados e sendo conduzidos para onde não escolhemos, em um roteiro já determinado do que e de como vou ver. A mobilidade imposta às plataformas-riquixás edita o olhar de seus “passageiros”, que se tormam corpos-câmeras, enquadrando a dança que se oferece. Uma desconfortável relação de poder se escancara: vestidos de preto, como os manipuladores de teatro de bonecos ou de sombras, trabalham duro empurrando os pesados “riquixás”, aparentemente submetidos a essa função. Todavia, o que fazem em nós, tiraniza nossa percepção. Quem escraviza quem?

Em Lugar do Outro, a companhia não abandona seu interesse em continuar a explorar a relação corpo-arquitetura-som a que chama de “dança de ocupação”, pois ocorre em espaços abertos. Em 2008, por exemplo, com Puntear, transformou muretas, jardins e escadas da Casa das Rosas em cenário. Todavia aqui, o foco se adensa em um ponto específico: pergunta sobre a possibilidade do viver isoladamente, e vai montando diferentes tamanhos de distâncias entre os 32 da plateia, entre cada um deles, entre nós e a obra.

Uníssono. Enquanto cada qual está sozinho, faz algo singular, mas quando os quatro intérpretes se reúnem, transformam-se em um uníssono de uma mesma coreografia. Nesse momento, o jeito próprio de dançar se atenua, como se não fosse possível mantê-lo quando se está junto, ecoando, aliás, o uníssono dos conjuntos em que a plateia foi transformada. Não surge nenhum traço da multidão, aquele tipo de agrupamento estudado, entre outros, pela dupla Antonio Negri-Michael Hardt, que publicou, em 2004, um livro sobre o assunto.

A companhia nasceu em 2006, dentro do Estúdio Nova Dança, o endereço, na cidade de São Paulo, da geração que descobriu, nos anos 1990, a improvisação como possibilidade de dramaturgia para a dança. Como uma das suas representantes, carrega traços da deficiência estrutural desse segmento, que é a falta de entendimento sobre o que seria o rigor artístico necessário para a sua produção.

No caso do Lugar do Outro, o elemento mais vulnerável está na escolha dos materiais que dançam. O elenco dança de forma competente, e com uma sintonia segura, indispensável para a linguagem da improvisação que emprega. A questão não está em como dançam, mas no que dançam.

Dirigidos por Alex Ratton Sanchez com clareza e pertinência, os quatro intérpretes tocam instrumentos, fazendo parte da ótima trilha de Gregory Slivar – lotada de rastros, sobretudo de Smetak (1913-1984), músico suíço que se mudou para o Brasil em 1937, e foi transformado pelos tropicalistas em uma referência. Trata-se de uma soma de talentos que demonstra poder ainda bem mais do que o que apresenta agora. E o comprometimento de todos eles é o fiador de que muito em breve, estarão no lugar de destaque que já demonstram merecer.

LUGAR DO OUTRO
Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, telefone 3095-9400. 3ª e 4ª, às 21 h.
R$ 2,50 a R$ 10. Até 14/9.

Desmemórias do Sr. D.
The Oblivion Flaring of Mr.D

no vimeo:

no youtube:

Sinopse — Desmemórias do Sr.D
http://tinyurl.com/DesmemoriasOnline

Sr.D não lembra em que dia está, ou o que fez na última hora. Suas memórias cruzam-se o tempo todo diante de seus olhos e de suas mãos. Entre anotações em post its e garrafas de vodka, ele tenta encontrar sua mulher, Miranda. O curta-metragem aborda a solidão e as alucinações de um homem que não localiza-se em suas lembranças. Livremente inspirado no capítulo The Abyss do livro Musicophilia: Tales of Music and the Brain do neurologista e escritor Oliver Sacks.

Synopsis — The Oblivion Flaring of Mr.D

Mr.D does not remember what day it is, or what he did in the last hour. His memories cross before his eyes and hands all the time. Between post its notes and vodka bottles, he tries to find his wife, Miranda. The movie approaches the solitude and the hallucinations from a man that does not locate himself in his own memory. Freely inspired on The Abyss chapter from the Musicophilia: Tales of Music and the Brain book by writer and neurologist Oliver Sacks.

http://www.gorilabranco.com
http://www.twitter.com/rachacuca

Direção, Roteiro: Bruno Peixoto
Dir. de Produção, Prod. Executiva: Milena Muñoz
Direção de Fotografia: Arthur B. Senra
Câmera: Bruno Peixoto e Arthur B. Senra
Direção de Som e Edição: Gabriel Martins
Direção de Arte e Ass. Produção: Laís Oliveira
Still e Design Gráfico: Vinícius Soares
Pesquisa: Sarah Passos

Elenco: Diogo Granato, Paty Bargantin, Maria Tuca Fanchin, Marat Descartes

Dança Conceitual - Dança das Idéias

Coisa mais estranha é ver muitos profissionais da dança confundir o nome de uma técnica de dança, com a designação de contemporaneidade. A Dança Contemporânea, não é a dança contemporânea, assim como a Dança Moderna, não é a mais moderna. As vezes sinto que é difícil para alguns profissionais assumirem que trabalham com algo que não faz parte da Vanguarda. Não digo ser impossível transformar a Dança Contemporânea em realmente contemporânea, mas para isso deverá existir, impreterivelmente, uma grande transformação. Também arrisco dizer que depois da Dança Contemporânea surgiu um novo tipo de técnica, filha direta da Arte Conceitual com a Dança Contemporânea. Lembrando que a “Arte Conceitual” com maiúsculas é também uma técnica, e não define a arte feita com conceito, afinal toda a arte, de todos os períodos, tem conceito.
Essa filha, por falta de nome melhor, vou chamar de Dança das Idéias. Alguns chamam de Dança Conceitual. É um nome que já deveria ter sido usado, mas não foi. Digo isso, pois em algum momento, assim com Duchamp, nas artes plásticas teve que chamar um penico de arte, apenas para mostrar que os limites da arte estão na capacidade criativa do artista, alguém na dança teve que ficar parado e dizer que aquilo era dança para provar o mesmo ponto. Quando um trabalho artístico existe apenas para testar os limites da arte, ou melhor, mostrar que esses limites não existem, e não necessita de técnica alguma, esse trabalho pertence a Arte Conceitual. Obviamente o conceito de Arte Conceitual foi deturpado após Duchamp, e seus colegas. E evidentemente a Dança Conceitual e a Arte Conceitual que vemos hoje, não são representações da verdadeira “Arte Conceitual”, pois não discutem o limite da arte.
Então, escolhi o nome Dança das Idéias, assim como gosto de chamar Arte das Idéias, seu equivalente nas artes plásticas. Esse nome me ocorreu, pois acredito que apesar de não discutir o limite da arte, a Dança das Idéias continua valorizando o conceito, e desvalorizando a técnica. O artista, não precisa saber nenhuma técnica específica, como Balé Clássico, Dança Contemporânea, Dança-Teatro, Contato Improvisação, Dança Moderna, Balé Moderno, New Dance, entre outras, ele só precisa ter uma idéia de um “conceito” a ser apresentado, e colocá-lo em prática. A performance então fica desprovida de técnica de dança, e passa a ser a demonstração de um conceito apenas, como esse conceito não está associado a dança, então vemos um resultado, onde não se discute nada sobre dança e onde ninguém dança. Afinal de contas, já sabemos que alguém parado pode estar dançando, que alguém fazendo movimentos repetitivos, ou minimalistas, pode estar dançando, agora se esses movimentos não são utilizados em uma dança, e nem estão ali para discutir a dança, eles são vazios de interesse para essa arte. (Diogo Granato)